(Imagem: William de Moraes)
Essa experiência faz parte do cotidiano de um número cada vez maior de brasileiros. Segundo pesquisa do IBOPE/NetRatings, no primeiro trimestre de 2008, 41,5 milhões de pessoas com idade acima dos 16 anos declararam ter acesso à internet em qualquer ambiente – casa, trabalho, escola, cybercafés, entre outros. Este é o maior patamar já atingido no Brasil, desde setembro de 2000, quando se iniciaram as medições do Instituto.
O dado é positivo, claro. Afinal, o País está conseguindo vencer as barreiras da exclusão digital. Mas, à medida que cresce o contingente de internautas, aumenta também a preocupação com o risco de ocorrência do vício em internet.
A Organização Mundial da Saúde ainda não caracterizou esse vínculo de dependência como doença. O transtorno ainda está em estudo e deverá figurar na próxima edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), publicação da Associação Psiquiátrica Americana (APA), que é a principal referência de diagnóstico para os profissionais de saúde mental.
As dúvidas quanto ao caráter patológico do uso excessivo dessa ferramenta desaparecem diante de histórias como a do garoto de 17 anos que já ficou 40 horas seguidas num jogo online. Ele se alimentava e fazia todas as necessidades fisiológicas diante do computador.
E mais: não só os indivíduos nascidos na chamada “era eletrônica” são suscetíveis ao vício. Uma senhora de 62 anos, que encontrou na web uma forma de sentir-se útil após a aposentadoria, acabou ficando dependente. Recebe mais de quatro mil e-mails por dia, fica conectada o dia inteiro, negligencia as atividades domésticas e não quer sair de casa. O seu casamento de mais de quarenta anos entrou em crise por conta desse comportamento.
(Imagem: Armin Hanisch - SXC)
Para tratar casos como esses, o Hospital das Clínicas de São Paulo criou o Centro de Estudos de Dependência da internet. “Oferecemos psicoterapia de grupo (formado por até 15 pessoas) com encontros semanais de uma hora e meia, durante 18 semanas. Ao final, os pacientes são encaminhados para avaliação médica e, se necessário, recebem a indicação de medicamento”, conta Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria, onde funciona o Centro.
Durante o tratamento, os pacientes são orientados a identificar quais gatilhos emocionais os levam a buscar refúgio na web. “Eles percebem que usam excessivamente a internet não porque gostam e, sim, porque precisam dessa válvula de escape. A partir dessa percepção, passam a buscar alternativas para lidar com aquilo que incomoda sem ficar à frente do computador”, afirma Cristiano.
Criado há três anos, o Centro de Estudos já atendeu cerca de cinquenta pessoas. A maioria delas apresenta, além da dependência de internet, outros distúrbios associados como depressão, transtorno bipolar e fobia social. “Acompanhamos os pacientes após o término do tratamento e constatamos alto índice de recuperação”, comenta Cristiano.
Os dependentes de internet que não conseguem buscar a ajuda psicológica presencial contam com outra opção: um serviço via correio eletrônico oferecido pelo Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI) da PUC-SP. O atendimento é feito num período de dois meses, com uma troca de oito e-mails, em média.
“Nos primeiros e-mails, procuramos caracterizar qual é o tipo de vínculo que a pessoa estabelece com a internet. Alguns fazem autodiagnóstico de dependência, mas o problema não existe de fato. Outros apresentam a queixa real, porém desejam uma solução mágica. Ambos os casos desistem do atendimento logo no início”, relata Juliana Zacharias, psicóloga membro do NPPI.
Os internautas que permanecem em contato com o NPPI até o fim do programa ampliam a sua compreensão a respeito do sintoma. “Não oferecemos a cura para o vício. Isso requer um trabalho mais longo. Fazemos a orientação psicológica e encaminhamos para terapia, quando detectamos a necessidade”, esclarece Juliana.
Instituído em agosto de 2006, o serviço no NPPI atendeu 15 viciados em internet naquele ano. Em 2007, o número subiu para 50. E, até julho de 2008, o total chegava a 31. A maioria dos atendidos se mantém no anonimato. “O fato de não precisar se identificar facilita a procura por ajuda. Ir até um consultório seria bem mais complicado”, alega Juliana.
Sou viciado?
Uma rápida pesquisa no orkut, o maior site de relacionamentos, indica a existência de mais de 500 comunidades com o título “Viciados em internet”. Isto não significa que os milhares de membros estão realmente dependentes. A expressão, na verdade, é mais usada para indicar o grau de paixão pela web. Mas como saber se esse vínculo está tomando um caminho rumo à doença? Os especialistas apontam alguns sinais indicativos de dependência. Veja no quadro e tire suas conclusões.
Sinais indicativos de dependência da internet
- Os indivíduos tornam-se monotemáticos: só falam de internet, só se relacionam por meio da web. Gradualmente, vão trocando as experiências reais pela realidade virtual.
- Perda da noção do tempo de conexão e sentir necessidade de aumentar o número de horas conectado para experimentar a mesma satisfação.
- Saber que está fazendo uso excessivo da internet, sem conseguir se controlar.
- Ficar irritado e deprimido quando o acesso à internet é restringido.
- Negligenciar atividades (estudo, trabalho, lazer) e relacionamentos afetivos e sociais (familiares, amigos, namorado... ) para ficar ligado no computador.
- Mentir sobre o tempo que permanece conectado.
Ajudas
- Se quiser saber como está a sua situação em relação à rede, no site www.dependenciadeinternet.com.br do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, há o teste (quiz) online “Você é um dependente de Internet?”
- O serviço de apoio da PUC-SP, atende pelo endereço nppi@pucsp.br
- O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas possui um grupo para tratamento de pessoas voluntárias viciadas em Internet. Inscrições pelo telefone (11) 3069-7805.
*Sueli Zola é jornalista
[Fonte: Revista Vida e Saúde. Ago. 2009, p.19 a 21]