(Imagem: Daniel Oliveira)
O olhar daqueles que cercam a mulher tem extrema importância na criação de sua imagem e no valor a ela atribuído. Por muito tempo, identificar uma imagem positiva das mulheres na história da humanidade se tornou uma tarefa quase impossível. Na verdade, as mulheres foram protagonistas de uma história marcada por dores, sofrimento, lutas e violência, devido, exatamente, à subordinação que através dos séculos lhe foi imposta pelo machismo dominante.
Até pouco tempo, essa interpretação era a única existente. As mulheres, em sua maioria, eram educadas em um contexto em que nem sempre suas ideias e capacidades eram valorizadas. Aprendiam a ser boazinhas e submissas, mantendo a tão distorcida feminilidade. Por outro lado, mulheres que ousassem impor-se, sofreriam comentários e atitudes que desmerecessem e desencorajassem suas ações. Uma ação de força exibida por uma mulher era muito mal vista por todos na sociedade machista. Exibir firmeza e se impor são, muitas vezes, em nossa cultura machista, um sinal de força. Numa sociedade machista, um homem pode ficar bravo, nervoso, ou uma fera, e sua atitude será sempre interpretada como “virtude varonil”. Na mesma situação, a mulher será interpretada como neurótica ou mal-amada. Precisamos aprender a valorizar o universo feminino e ter um olhar que reconheça e valide o direito da mulher, simplesmente por ela ser mulher.
Pensadores do mal
Através dos séculos, várias formas distorcidas de se compreender a realidade feminina foram desenvolvidas por grandes pensadores. Aristóteles ofereceu o primeiro argumento, cuidadosamente elaborado, da tradição machista em favor da inferioridade feminina. Sua opinião era de que a fêmea fornece a prima matéria, a nutrição e o espaço para o desenvolvimento do embrião. Para ele, ela tem seu papel necessário, mas o princípio ativo, formativo, gerativo, provém inteiramente do pai. A contribuição feminina é, por isso, fisiologicamente inferior. Além disso, não tendo sêmen, ela não tem a causa formalis que pode gerar sua própria essência a partir dela mesma. Para Aristóteles, a essência da fêmea é sujeita ao macho, em cuja essência estão ambos, macho e fêmea.
Essa visão aristotélica, além de representativa de seu próprio tempo, é também a causa da posterior visão católica dos tomistas. Segundo São Tomás de Aquino, a mulher é ignobilios e vilios, em relação ao homem. Para ele, a mulher, porque lhe falta o elemento vital (sêmen) e por possuir somente o princípio passivo do útero e a nutrição para o embrião, tem menos alma e menos intelecto.
Os pensadores da modernidade não se distanciaram tanto dessa visão católica dos Tomistas. Freud, na sua teoria do “primeiro Adão”, supõe que o macho seja superior à fêmea. Para ele, somente Adão foi feito à imagem de Deus, enquanto Eva foi simplesmente tirada de Adão. Além disso, o macho, segundo Freud, é anterior no tempo, porque foi criado primeiro. Novamente caímos no estereótipo masculino, em que a fêmea é vista de maneira inferior. Talvez por isso, ela tenha desenvolvido autoestima baixa no decorrer da história da humanidade.
Entre o público e o privado
A visão machista dentro do conhecimento popular continuou presa à perspectiva do século passado de que homens pertencem à esfera pública (mercado de trabalho) e as mulheres à esfera privada (da família). Assim sendo, cuidar de criança não é tarefa do macho (do superior); essa tarefa deve ser executada pela mulher, que tem que ficar em casa e cuidar dos filhos (esfera privada); devemos observar que para reforçar a ideia de inferioridade da mulher, essa atividade será desvalorizada pelo gênero masculino, tanto pelo marido quanto pelo pai e pela sociedade. Isso talvez explique o descaso dos homens em relação às tarefas domésticas e educação dos filhos.
Hoje, as mulheres saíram da esfera privada (casa) e cada vez mais trafegam na esfera pública (mercado de trabalho). De cada cinco famílias brasileiras, uma é chefiada por mulheres, que acumulam o trabalho fora com a educação dos filhos. A mulher já representa 50% da força de trabalho.
Apesar de as mulheres já terem provado que são capazes de fazer tudo o que os homens fazem, e com muito mais eficiência, visto que todos esses anos de reclusão na vida privada (família) renderam-lhe dividendos como persistência, paciência, fidelidade, cuidado, honestidade e responsabilidade, elas ainda continuam sendo vistas como inferiores pelo universo masculino. Um estudo recente feito nos Estados Unidos revelou que, embora as mulheres respondam por 46,4% da força de trabalho, apenas sete empresas presentes na lista das 500 maiores da revista Fortune são comandadas por representantes do sexo feminino. As mulheres constituem somente 5,2% dos maiores salários e detêm apenas 7,9% dos cargos mais altos dessas organizações.
Ao pretender que as mulheres sejam dignas e respeitadas porque são iguais ao homem em tudo, a sociedade nada mais faz do que ignorar as diferenças entre os dois sexos. A mulher não pode ser considerada digna somente quando é igual ao homem, pois então o homem seria mesmo o parâmetro. E isso é machismo. Dessa forma, as mulheres se tornam uma espécie de extensão dos homens.
Pressão social
O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes da nossa vida. Durante muitas décadas, o pensamento corrente era de que o amor fosse o único bem necessário para a mulher. Hoje se sabe o quanto permanecer só “amando” é neurotizante e seca o amor. É importante intercambiar o amar com o trabalhar e o conhecer. Uma coisa enriquece e aprofunda a outra.
O trabalho de dona de casa (a esfera privada) precisa ser uma atividade valorizada, criativa e produtiva. Hoje em dia, ele é visto como alienante e massificante. A pressão cultural contribuiu para desvalorizá-lo ainda mais. Na verdade, as mulheres hoje trabalham muito mais do que o homem. Têm muito mais obrigações, incluindo a de serem bonitas. A pressão social para permanecer jovem e bonita é terrível. Além do trabalho, da casa, dos filhos, do marido, tem também a obrigação de fazer ginástica para se manter em forma para agradar o marido.
O marido, é claro, não é como antigamente. Ele até gosta e “permite” que ela trabalhe. Na verdade, na maioria dos casos, o homem necessita desse extra. Ele não concorda, mas aceita com restrições disfarçadas. Resultado: a casa cai sempre para o lado da mulher, que não pode contar com aquela simples e eficiente rede de apoio de antigamente – avós, tias e primas.
Não devemos nos esquecer de que o ser humano nasce com predisposição para amar, trabalhar e conhecer. Portanto, o quanto uma mulher se sente feliz e segura depende basicamente do quanto ela se percebe como tendo alguém que a ame, que a valorize e a respeite nas suas atividades laborais e a trate como uma pessoa inteligente ao ponto de querer estabelecer uma relação de construção de conhecimento. Alguém que seja disponível e receptivo às suas demandas cognitivas.
Augusto César Maia é psicólogo
[Fonte: Vida e Saúde – Abr 2010, p.48]